Nesta temporada do “Página Sonora”: “A vida para ser lida ao passo em que é escrita”


07/05/2021 - Atualizado em 21/05/2021 - 640 visualizações

O "Página Sonora", podcast da literatura feita em Santa Catarina, através da Rede de Bibliotecas do Sesc-SC, é um projeto dedicado inteiramente a autores que aqui tecem ou teceram suas histórias, seus relatos, pensamentos, pesquisas, diálogos e trocas, nos mais variados gêneros, estilos e linguagens.

As cinco novas leituras do “Página Sonora” já estão disponíveis com trechos de livros de Maura de Senna Pereira, Rubens da Cunha, Rogério Pereira, Mariana Berta e Lucas Schlemper.

Em pleno fluxo, os movimentos em torno da literatura catarinense acontecem apesar das tragédias cotidianas da pandemia. Até porque, é necessário mais do que nunca resistir com arte, compartilhando leituras, aprofundando experiências estéticas, estabelecendo comunicação entre as diversas identidades culturais que nos constituem. É nessa busca que continuamos pesquisando textos e autores, misturando as vozes nas leituras dos episódios, abrindo espaços para proliferação da literatura contemporânea, criando meios de ressignificar nossa memória cultural.

Maura de Senna Pereira

Maura de Senna Pereira (1904 – 1991) está nesta edição do "Página Sonora". E está também no projeto “Procura-se um Leitor: leitura e escrita na cena cultural”, um projeto de pesquisa, extensão e cultura que tem como objetivo fomentar a escrita crítica e criativa a partir da experiência com escritores de Santa Catarina, através do Portal Catarina. O Procura-se um leitor nasceu em 2018 no Colégio de Aplicação da UFSC, sob a tutela de Arlyse Ditter, Isabela Melim Borges e Demétrio Panarotto, em 2018. A edição de 2021 acontece em parceria com o NuPILL – Núcleo de Pesquisa em Informática, Literatura e Linguística (UFSC). 


Foi exatamente desse acervo que retiramos os poemas de Maura de Senna para o Página Sonora. E tivemos acesso ao amplo universo de sua escrita e de sua participação na cena cultural da época em Santa Catarina.

Segunda Isabela Melim Borges, uma das idealizadoras do projeto, “estão previstas produções acadêmicas, didáticas, literárias e de críticas, desenvolvidas por todos os que integrarem o projeto e que estiverem dispostos a pensar a literatura de Santa Catarina, enquanto cena cultural e literária”. No "Página Sonora", os leitores e ouvintes podem conhecer um pouco da poesia de Maura de Senna e de muitos outros livros de autores que também serão contemplados no projeto Procura-se um leitor. Seguimos em conexão com os movimentos e projetos pela literatura catarinense com a leitura de três poemas da escritora, professora e jornalista de Florianópolis, retirados do livro “A Dríade e os Dardos”, de 1978.

Rubens da Cunha

E falando em conexão, Rubens da Cunha, autor de Joinville, hoje morador do Recôncavo baiano, empresta às nossas vozes a sonoridade de seus versos com “A guardadora da ponte e outras biografias inventadas”, lançado em 2020. 


Neste espaço, que se oferece como um complemento do "Página Sonora", o poeta fala um pouco sobre sua caminhada de Santa Catarina à Bahia, com e pela literatura, a partir deste livro que apresentamos. Segundo o autor, “A guardadora da ponte e outras biografias inventadas” nasceu na curva da trajetória de sua própria biografia. “No final de 2015, eu vim trabalhar na Universidade Federal do Recôncavo da Bahia (UFRB) e comecei a conhecer um ambiente muito antigo, muito tradicional, mas também muito novo pra mim. Assim, durante o meu processo de adaptação, assimilação, entendimento desse espaço humano, cultural, ancestral nasceram os textos que compõem esse livro.” As biografias em versos do livro vêm embaladas em objeto artesanal, projeto gráfico e encadernação cuidados e pensados pela edição primorosa da Andarilha Edições, com ilustrações de Fernanda Asteracea.

E trazem instantes desse recôncavo e suas gentes recém vislumbrados pelo poeta, professor e jornalista catarinense. “Essas biografias nascem a partir de encontros repentinos, acontecimentos breves, pessoas e cenários que vi de passagem e que, de algum modo, inseriam-se na paisagem destoando dela, estabelecendo uma ruptura no normal, no cotidiano. Depois, com a memória desse acontecimento, em casa, eu inventava biografias’”, instiga. A conexão se faz entre vocabulário, clima e tons do Recôncavo e a digital poética de Rubens da Cunha.

Rogério Pereira

Dos movimentos em consonância, Rogério Pereira elabora os seus, de Galvão para o mundo. O jornalista, editor e escritor catarinense fundou em Curitiba, onde mora atualmente, o jornal Rascunho, importante publicação sobre literatura no Brasil, e atua em diversas frentes pela leitura, como no projeto Paiol Literário e na Biblioteca Pública do Paraná, onde coordenou o Plano Estadual do Livro, Leitura e Literatura. No "Página Sonora", recebemos para leitura o romance "Na escuridão, amanhã", lançado em 2013, pela Cosac Naify. 


Rogério tem contos publicados no Brasil, Alemanha, França, Finlândia, Peru e Equador, e trabalha incansavelmente na defesa de que a literatura “precisa encontrar uma fresta nos dias turbulentos que nos embalam a vida”. O autor insiste que devemos reservar um espaço em nosso cotidiano para a leitura, ainda que se trate de uma difícil tarefa nos dias de hoje. Mas uma tarefa essencial que nós, os formadores de leitores, devemos elaborar em cada pequeno gesto, um leitor, uma leitura conquistados e as possibilidades ganham proporções infinitas.

“Não basta dizer ‘leia um livro’. É preciso muito mais: é um longo caminho (que em geral começa na escola) até a construção de um bom leitor: aquele que se agarra a um livro sem qualquer exigência em troca. O livro precisa encontrar o leitor, mas é o leitor que necessita eleger os seus livros. É uma iniciativa individual, um gesto de vontade, de generosidade: vou ler um livro. E por quê? Simples: para carregar consigo um pouco mais de humanidade. Um livro amplia o mundo, amplia o nosso mundo, nos amplia no mundo. É uma roda a girar o tempo todo a dilatar a nossa consciência diante do que nos cerca”, finaliza. De nossa parte, assistentes de biblioteca e técnicos de cultura do Sesc, os pequenos gestos se concentram em projetos de formação de leitores que a cada dia despertam adesões, sendo um desses gestos, o "Página Sonora".

Mariana Berta

Mariana Berta apresenta-nos Sagu, com trecho lido por sua conterrânea, a técnica de cultura do Sesc de Concórdia, Damara Assunta Savoldi Gasperini. Sagu é um livro que contém o doce e o amargo, como sugere o título, mas qualquer tentativa de falar sobre o livro é reduzir a experiência da leitura e da contemplação com os textos de um ensaio fotográfico que fala, sugere outros olhares, um diálogo permanente de discursos de violência e ternura, entre a roça e a academia, entre as comunidades rurais e seu labor com a terra e a ideia ou a história da arte como contada nos livros. 

Em entrevista concedida em 2020 ao coletivo de poetas Abrasabarca, dentro da programação do evento Mulher Artista Resiste – MAR, Mariana conta um pouco do surgimento de Sagu em meio ao contexto da saída de Concórdia para ingressar no curso de Artes Visuais da Udesc, além de relatar sua viagem pela América Latina, o período como docente na Bolívia, e a descoberta de como somos colonizados na construção de nossa identidade cultural.

Uma de suas provocações, incluída no Sagu, parte de uma foto na biblioteca da Udesc da época em que lá trabalhava. Pode-se ler escrito na estante dos livros sobre História da Arte: “História Europeia da Arte o resto é artesanato.” Sobre essa instalação, Mariana pontua que na licenciatura em Artes Visuais ela se deparou com um currículo completamente estrangeiro e elitista da História da Arte. Ela acrescenta que em nenhum momento as produções de altíssimo nível de complexidade artística dos povos latinos estavam presentes na grade curricular, a não ser como artesanato, dentro de uma “hierarquia vergonhosa”. Porque afinal, formar leitores é formar pensamento crítico, questionamentos, aberturas. E construir outras histórias, além das já contadas e canonizadas, ou colonizadas. É fundamental que se ofereçam instrumentos, ou capital simbólico, para que a leitura percorra de fato outras dimensões do conhecimento sobre nós mesmos e sobre os outros.

Lucas Schlemper

E como nosso principal instrumento de trabalho é a escrita, finalizamos com poesia. Lucas Schlemper não apenas está no "Página Sonora" com a leitura de três poemas de seu livro “Cá entre nós – Odes de alusão e ilusão”, como nos presenteia neste espaço com mais um poema: Sobre a vida – a página – a palavra.

As palavras: cansei-me das palavras.
A vida para ser lida ao passo em que é escrita.
A literatura vivida aos trancos.
Eis uma página em branco.
Eis uma vida toda.
Página-hiato. Página-pausa. Página-lapso.
Página intacta - repleta de ausências feito uma cama bem feita.
Sorumbática página-espelho a expor o vazio de quem a contempla.
Reticente e taciturna. Hipnótica como um guizo de serpente.
Página-fenda de cavidades de árvore oca.
De camadas e de segmentos, e cujo fundo não se vê.
Página desabitada. Página-poço oculta por heras.
Página presságio de nada, augúrio de coisa nenhuma.
Página percalço - desacerto - desvio de percurso.
À pagina convicta de seu próprio vazio, o texto é uma agressão.
A narrativa é um conluio. Autor já não há.
Palavras ferem a pele de papel a fundo e com força.
Arranham o corpo, rasgam seus cantos,
pesam em suas orelhas, atravancam seus rodapés.
Prestes a ser página, optou então por deixar de ser.
Agora: ponte pênsil tremelicante sob um rio fictício.

Conclamamos, portanto, aos ouvintes, que apreciem as leituras de alguns fragmentos dos livros desses autores no Página Sonora, já disponíveis nas plataformas Anchor, Google Podcasts, Spotify, Apple Podcasts e Pocket Casts.

Leiam literatura catarinense e visitem nossas bibliotecas!

Acesse os links do podcast nas principais plataformas:


Saiba Mais:

Como surgiu o "Página Sonora"


A iniciativa "Página Sonora" vem sendo construída desde novembro de 2019, quando os assistentes de biblioteca e alguns técnicos de cultura do Sesc Santa Catarina realizaram um encontro com o objetivo de debater e reinventar caminhos para a efetiva formação de leitores críticos e contumazes, com conhecimento e reconhecimento do que é a experiência da leitura. E para que essa transformação de fato aconteça, há longos caminhos a serem percorridos, começando por capacitar a equipe de assistentes de biblioteca para mediação do livro, da leitura e da literatura.

Surgiu então a necessidade de buscar compreender a maior carência e urgência dentro de um universo tão vasto. E dentre as inúmeras sugestões, possibilidades, alusões e argumentações, uma tarefa ficou clara e unânime: ler, reler, conhecer, discutir e então, dar acesso aos leitores ou ainda não leitores, à escrita produzida em Santa Catarina. Os projetos e eventos planejados para 2020 com essa finalidade e tantas outras demandas, desde revigorar a literatura voltada para o público infantil até tornar a biblioteca um espaço cada vez mais de acolhimento, fruição, informação e diversão, foram adiados com a pandemia. Mas aos poucos, com o afeto e a persistência necessários a quem trabalha com cultura em nosso país, os meios foram sendo criados e uma parte das muitas tarefas daquele encontro se concretiza no "Página Sonora".

Texto de Luciana Tiscoski, técnica de Cultura do Sesc Estreito (Florianópolis) e Palhoça.

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