A importância de um "não" na hora certa


08/05/2019 - Atualizado em 08/05/2019 - 959 visualizações

No dicionário, a palavra limite é proveniente do Latim limes. “Linha que, real ou imaginária, delimita e separa um território de outro; fronteira. Até aí tudo certo. Mas quando a palavra é empregada para determinar qual o limite dos filhos, até onde eles podem ir, o que podem e que não podem fazer? E aí vem aquela longa história de que a teoria é fácil, difícil mesmo é colocar isso em prática.

Uma das tarefas mais árduas para pais, mães e responsáveis é a de ensinar limite aos filhos. É comum nos questionarmos: Estou fazendo certo? Tomei a melhor decisão? Por que sinto que minha decisão não é a correta?

Com o passar do tempo, as crianças vão conhecendo o ambiente em que vivem e começam a desenvolver preferências por certas atividades e quando são contrariadas acabam chorando, gritando ou ficando amuadas com os limites impostos pelos pais. Esses comportamentos costumam ser bastante criticados, principalmente quando a criança está em um ambiente com pessoas fora do seu convívio diário.

Como lidar com essas situações da melhor forma possível? A gestora da Escola Sesc Brusque, Eliomara Rodrigues das Neves, pedagoga, com especialização em psicopedagogia, neuropedagogia e psicanálise no âmbito escolar, e doutora em psicanálise clínica, traz algumas respostas e explica por que precisamos aprender a colocar limites em nossos filhos.

Segundo ela, o primeiro exercício importante é desconstruir da palavra LIMITE a associação de que seja algo ruim. “Tudo que ouvimos e internalizamos como positivo ou negativo gera em nós um sentimento, e consequentemente o corpo reage. Aprender a ouvir um “não” é um processo doloroso na infância, porque o desejo infantil luta sempre para ser realizado, mas para que o humano se torne sociável é imprescindível elaborar suas frustrações.

Evitar que uma criança experimente pequenos desprazeres, é impedir que conheça e aprenda a controlar o que acontece em seu corpo quando se frustra, quando sofre. Quem disse que sofrimento tem que ser evitado? Raiva, sofrimento, são sentimentos e como tais, têm sua importância como forma de manifestar o que estamos sentindo, reconhecê-los e controlá-los é o segredo da civilidade”, destaca.

Confira a entrevista completa com a profissional do Sesc:

Blog Sesc: Por que é tão difícil para os pais dizer não?

Eliomara Rodrigues das Neves: Dizer e permanecer no NÃO cansa. Isso é fato! A criança vai buscar caminhos de realizar o seu desejo, porque este é o processo natural da infância, descobrir caminhos de realizar atividades que sejam prazerosas.

As regras compõem o mundo do adulto, não das crianças, por isso, elas sempre insistirão, tornando a função do adulto exaustiva. Além disso o NÃO entristece a criança e muitas vezes os pais se fragilizam e cedem, esquecendo a aprendizagem maior que está por trás de manter a palavra.

Blog Sesc: Os “nãos” ditos para as crianças são essenciais para a vida?

Eliomara: Nos constituímos seres sociáveis justamente por causa dos limites. Alguns aspectos de nosso campo emocional e psíquico se organizarão e desenvolverão justamente a partir dos limites. Não os ter é ser um humano deficiente sobre este aspecto.

Blog Sesc: Existe uma idade para começar a colocar limite?

Eliomara: Entre 3 a 7 anos (variando um pouco a depender do perfil de maturidade de cada criança). Essa é a faixa de idade na qual, por algumas linhas de estudo do desenvolvimento infantil, – tanto da área da psique, quanto da aprendizagem –, é de grande relevância ter claro quais valores e orientações deseja transmitir para a criança. É importante que as atitudes dos adultos também sejam extremamente coerentes a essas regras.

Entretanto, desde bebês é necessário estabelecer o ‘não’ para situações indevidas e nesse caso o interessante é mudar o foco da criança, considerando a inabilidade para compreender apenas verbalmente. O simples fato de estabelecer para um bebê horários claros: de banho, amamentação, trocas, sono, enfim... é a construção de uma rotina concebida a partir de regras e a principal função é dar segurança sobre o mundo desconhecido ao qual está se adaptando.

Esse é um bom caminho para perceber a regra como necessidade também para produzir segurança na criança. À medida que a criança cresce, o exercício do diálogo é fundamental. Muitas vezes dizemos conversar com as crianças, em situações que elas apenas ouvem. O exercício do diálogo envolve tanto a fala quanto a escuta de ambos.

Blog Sesc: A criança testa os “limites” dos pais/responsáveis?


Eliomara: Testar é um processo natural do humano. Quem de nós, quando recebe uma ordem indesejada, não tenta dar uma “conferidinha” se existe outra possibilidade, outro caminho? Nós testamos os limites, testamos as regras, porque o desejo maior de todos sempre é realizar a própria vontade, mas como somos socialmente mais experimentes e logo menos insistentes, nos rendemos mais rápido e por isso testamos menos. A criança ainda está passando por esse processo e é natural que insista mais.

A regra do adulto é sempre um impedimento ao desejo infantil, por isso sua ação natural é tentar “burlar’. Não podemos perder o equilíbrio quando a criança faz esses testes, é importante manter a tranquilidade e ser firme no posicionamento.

Blog Sesc: Tem como “trabalhar limites” através de algum jogo/brincadeira?

Eliomara: É possível como um exercício lúdico de alcançar a linguagem da criança. Qualquer material que explore o universo das cores, da imaginação, dos sons, movimentos, ritmos, ilustrações, texturas, enfim... tudo que invada o mundo sensorial da criança será um belo caminho para estabelecer uma comunicação mais agradável com ela, contudo, o posicionamento do adulto deve ser expor que aquele conteúdo, faz parte de um pacote de combinados com a criança e que diferente das brincadeiras e jogos, aquele conteúdo não é negociável.

Esse esclarecimento não deve ser explicitamente dito, mas a postura do adulto deve deixá-lo claro. Essa é uma linha extremamente tênue e de muita sensibilidade do adulto frente à criança. De forma geral, todo jogo se compõe de regras para acontecer. A prática de qualquer jogo naturalmente exercitará atitudes que trazem aprendizado cognitivo e emocional sobre saber ganhar, perder, saber esperar, entre outros princípios da vida social.

Blog Sesc: Qual a diferença entre autoritarismo e limite?

Eliomara: Compreensão do PORQUÊ talvez seja uma grande diferença. Pais que impõem de forma autoritária aos filhos, geralmente não atentam aos sentimentos das crianças e por isso não lhes dão oportunidade de expressão, assim como também, não consideram a importância da criança compreender o porquê de cada regra.

O autoritarismo representa sempre a imposição alienada de uma norma, limite é uma orientação que conduz a um benefício para quem compreende e segue. Sempre estarão atrelados a alguma forma de afeto.

Blog Sesc: O que fazer quando uma criança faz birra?

Eliomara: Palavras-chave: tranquilidade e firmeza, são expressões que aparentemente não são parceiras, mas são essenciais diante de um momento de birra. A birra na verdade é um conflito interno desencadeado por sentimentos com os quais a criança não sabe lidar. Toda reação física de uma birra: o grito, choro, bater as pernas, jogar-se no chão... são maneiras de externar o desequilíbrio emocional que está sentindo e não sabe explicar, muito menos controlar.

Estamos falando aqui de questões orgânicas. Nessa maquininha que é nosso corpo, esse processo acontece da seguinte forma: a criança é contrariada, sente um enorme incômodo, pois o seu desejo, ou seja, aquilo que no momento dará prazer está sendo negado (e aqui podemos considerar exemplos simples como retirar um controle remoto das mãos de um bebê, ou negar a compra de um determinado objeto num passeio ao shopping). Esse prazer negado provocará internamente a produção de substâncias que desencadearão uma explosão de sensações desconhecidas e incômodas, de forma que a criança reage com todo esse conjunto de comportamentos que chamamos de birra.

O que fazer então? Orientar com tranquilidade e firmeza, ajudando a criança a compreender que essa sensação é desagradável, mas em algumas situações será inevitável. É importante utilizar exemplos do dia a dia para ajudá-la a compreender. Inclusive é importante que os adultos deem exemplos de como fazem para controlar suas frustrações. Se não conseguirmos lembrar exemplos plausíveis de como reagimos nessas situações para compartilharmos com as crianças, significa que numa guerra da birra, nós também estamos despreparados.

Blog Sesc: O que os pais/responsáveis estão fazendo de errado na educação de hoje, que as crianças estão sem limites?

Eliomara: É muito comum hoje apontarmos as dificuldades de comportamento das crianças como falha dos pais e essa afirmação é verdadeira. Em contrapartida, os pais querem sempre acertar, fazem tudo buscando o melhor para seus filhos. Pensando nisto talvez seja o momento de começarmos a refletir: O que está faltando aos pais, para que realmente consigam acertar?

A resposta disso é um processo extremamente atrelado a construção que temos guardada como filhos que fomos e somos. Isso não significa que se tive carinho, darei carinho... Nossa mente não funciona como um cálculo simples. No universo das nossas memórias os cálculos são mais complexos, o que importa são as interpretações positivas e negativas que construímos ao longo da infância. Todos nós as temos guardadas.

É importante pensar o que fizemos com essas memórias ao longo do nosso amadurecimento, qual a contribuição delas para o adulto que me tornei. Isso pode contribuir diretamente para o perfil de pai ou mãe que me tornei. Buscando fazer igual ou talvez exatamente o oposto, mas sempre impulsionados por essas invisíveis memórias. Os pais de hoje foram educados por uma geração que imprimia com mais intensidade a presença das regras, enquanto não desconstruirmos a ideia de que as regras são algo ruim, não conseguiremos avançar na orientação às crianças.

Regras não são ruins, nossas memórias sobre a forma como as conhecemos talvez sejam. Contudo, essa memória não é da criança que estou educando, por isso desconstruir significa compreender que limite representa: equilíbrio interno, organização de pensamento, autocontrole, temperança, segurança, entre tantas outras qualidades que contribuirão para a formação de um adulto psiquicamente equilibrado, leve e saudável. 

Blog Sesc: Alguma dica para os pais/responsáveis?


Eliomara:
  • Inicialmente observe-se, faça o exercício de “assistir-se”, agindo e interagindo com seu filho, perceba o quanto usa justificativas para explicar as decisões que toma. Como responsável pela educação de uma criança, quando justificamos muito é possível serem falhas que estamos com dificuldade de assumir. Exemplo: “É porque meu filho tem a personalidade muito forte”;
  • Procure desabafar com os parceiros, amigos, profissionais terapeutas. A tarefa de educar uma criança é desgastante, mas evite deixar isso claro para ela;
  • Estabeleça combinados que realmente vai cumprir;
  • Evitar acordos e barganhas em situações que representam valores que a criança precisa construir. Exemplo: “Se você, obedecer, respeitar, tratar bem os colegas etc. você ganhará...”. Valores são elementos básicos para a vida em sociedade e devem ser exercitados sem moeda de troca. É muito perigoso negociar com a criança sobre essas questões;
  • Sob nenhuma circunstância diga para seu filho “eu não sei mais o que fazer com você”. Se testar caminhos para burlar as regras é um movimento natural da infância, essa frase metaforicamente, é como entregar o troféu no pódio para a criança;
  • Ouça a criança, dê a ela oportunidade de dizer o que pensa, o que sente. Esse é um exercício para conhecer melhor seu filho, demonstrar respeito e também ajudá-lo a organizar as ideias e sentimentos.

Nosso próximo tema será Responsabilidades da Criança. Acompanhe e compartilhe!


Leia Mais: 

Confira sobre o que já escrevemos na série "Educação Afetiva" como o aumento de problemas de saúde mental entre as crianças, no texto “Infância Saudável: Precisamos olhar para nossos filhos”, primeira matéria da série, onde abordamos conteúdos esclarecedores e mostramos que é preciso parar, refletir, conversar e identificar o que está acontecendo dentro das nossas casas e indicamos alguns caminhos para promovermos uma infância feliz e saudável.

Na segunda matéria “Memórias que ficam: Por uma infância repleta de momentos felizes” tratamos sobre pais emocionalmente disponíveis, com algumas dicas para aproveitar o tempo que temos com os nossos filhos da melhor forma possível, e desta forma, construir memórias carinhosas e positivas. 


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