Poesia e dramaturgia nos próximos episódios do "Página Sonora"


03/12/2020 - Atualizado em 04/12/2020 - 898 visualizações

"Página Sonora" é o podcast da literatura feita em Santa Catarina, através da Rede de Bibliotecas do Sesc-SC, dedicado inteiramente a autores que aqui tecem ou teceram suas histórias, seus relatos, pensamentos, pesquisas, diálogos e trocas, nos mais variados gêneros, estilos e linguagens. Neste sábado, dia 5 de dezembro, o “Página Sonora” lança mais cinco episódios de leituras. Desta vez, os autores contemplados serão Maiara Knihs (Brusque), Demétrio Panarotto (Chapecó), Patrícia Galelli (Concórdia), Afonso Nilson e Daiane Dordete Steckert Jacobs (Joinville).

As leituras escolhidas trazem pequenos fragmentos de textos, um poema apenas de um livro que foi pensado como coletânea, um conto de um livro de contos, um diálogo entre personagens de uma peça teatral ou um instante de uma crônica do cotidiano, sempre serão uma parte de um todo orgânico. Cada seleção feita pelos leitores da equipe de Cultura do Sesc Santa Catarina implica, portanto, uma grande responsabilidade, também uma identificação, uma análise, ponderações, percepções do ritmo e da entonação da voz que possibilitem minimamente afetar o ouvinte, fazer ressoar esse fragmento não apenas como parte de um todo, mas como um recorte com vida própria, completo, integral.

Ninharia

Não se trata de dar conta da bibliografia de um autor ou de uma autora, nem sequer de abarcar o sentido ou a experiência múltipla da leitura de um livro. Impossível dar conta, por exemplo, da imensidão de sentidos e sensações de Ninharia, de Maiara Knihs, um relato do puerpério, do desmame, da metamorfose do corpo e das palavras. “O meu corpo estava aberto e do tamanho do mundo e a minha carapaça tinha caído pra dar espaço a essa transformação. Já não me reconhecia nas minhas palavras luxuosas. Logo eu, toda formada nas letras, já não me identificava com a forma da poesia. Sim, nascer mãe tinha significado uma troca de gênero”, expõe a autora em entrevista concedida ao site “Abraço de mãe”. E completa, sobre o Ninharia: “A escrita do livro foi uma forma de gestar palavras. Acho que uma coisa fundamental para esse momento de nomear a metamorfose é se aproximar de pessoas que acolham, que respeitem, que tenham empatia e que sobretudo ajudem a dar palavras e formas à nova casa. Algumas vezes a ajuda vem no estar junto em silêncio. Parece mais simples do que realmente é. E não é simples a tarefa de dar voz a tão delicada tessitura de palavras".

Cabeça de José

Sobretudo, na relação leitura e escuta, advém o desejo de partilhar algo do sensível, para o qual muitas vezes faltam palavras, é a experiência partilhada da leitura, da literatura. Patrícia Galelli, presente nesta série do "Página Sonora", traduz melhor essa relação que se estabelece entre o texto, a voz e a escuta. “A leitura teve um papel imenso durante esses meses de distanciamento social, os meses levados a sério. Mas o "Página Sonora" não só endossa o coro dos que querem ler sempre mais. É feito por leitores que querem a leitura além: levada pela voz, atenta na escuta. A leitura ressoada que ainda cura, escolhe e cuida, trechos de textos, que ensaia, que sopra e que compartilha. É aquela inconfundível vontade de chamar quem está do lado pra reler o trecho que nos pegou de jeito, que tocou no dentro, que fez um sentido tão singular, só nosso, tão nosso que a gente quer logo dar um pouquinho para o outro. Leitor que é leitor, sabe, cede rápido à troca do silêncio pela tradução do código para a voz: pelas ondas sonoras, a difusão de literatura encontra tímpanos e outros leitores, outras e novas leituras”, observa a autora de Carne Falsa.


Lotação

Demétrio Panarotto é mais um dos autores lidos no "Página Sonora". Ressalta-se sobre o escritor, que além da palavra escrita, há muito que Demétrio reverbera e prolifera vozes, sua relação com a literatura faz-se numa interação constante com a oralidade da poesia. Lotação é o poema (poema em prosa, ou quase um conto) escolhido para esta série, que consta do livro de mesmo nome, um livro pra ser lido em voz alta, como declara o próprio autor.

“O Lotação é um poema que foi lido pela primeira vez no “Paisagem Literária”, que consistia em reunir algumas pessoas pela cidade lendo textos, um evento que desenvolvo desde 2017. O "Lotação" ganha a primeira edição em 2016 na “Revista Cabra”, uma revista virtual, e depois, em 2018, é publicado pela Editora Medusa em livro impresso. Foi lido na íntegra na Festipoa Literária, de Porto Alegre, em 2017. Também ganhou leituras em rádios. Ou seja, é um poema que tem como proposta a questão da leitura, propor que as pessoas escutem. O trabalho com a voz é um trabalho com a palavra, um trabalho de entonação de voz e de procura do ouvido das pessoas, buscando com que essas pessoas estabeleçam uma outra relação com o poema.”

Demétrio investiga e fomenta a oralidade da poesia, demonstrando plena consonância com uma tendência da literatura contemporânea. Sintonia esta que pode ser conferida nas dezenas de programas gravados e disponíveis nas redes com o nome Quinta Maldita, “um programa de muitas vozes gritando, ecoando, sendo ditas, benditas, malditas, em programas de rádio, podcasts e saraus a partir de Florianópolis em conexão com o Estado de Santa Catarina, com o Brasil, com outros poetas da América Latina e de outros continentes, uma espécie de espaço para a poesia contemporânea em que a voz está no seu ponto chave. É a partir da voz que a gente entende os poemas e depois vai buscá-los no papel.” E acrescenta, “O Lotação é justamente um dos primeiros poemas em que eu proponho esse desafio. Então, o fato de ele estar num podcast do Sesc, o "Página Sonora", pra mim é um desdobramento de todas essas leituras já realizadas".


Seis textos breves para estudantes de teatro

Do crítico e dramaturgo Afonso Nilson, apresenta-se a leitura de trechos de diálogos para encenação. O ascensorista e O emprego do demônio, do livro “Seis textos breves para estudantes de teatro”, traz o sarcasmo, a sátira e a sutileza da dramaturgia de Afonso Nilson, com personagens bastante característicos, embora caricaturados por vezes em arquétipos ou clássicas figuras literárias, como Lúcifer, por exemplo, mas de extrema atualidade e facilmente identificados com nossa cena cotidiana. Afinal, “quem precisa de demônios com homens como os de hoje?”, conforme reforça o personagem. Também curador em diversos festivais e mostras de artes cênicas, produtor cultural, doutor e pesquisador de teatro, Afonso Nilson Barbosa de Souza teve seus textos encenados e montados por grupos teatrais profissionais e por grupos de estudantes universitários, no Brasil e em Portugal, tendo ganhado também adaptação para o cinema. Vale muito a pena conferir as publicações de Seis textos breves para estudantes de teatro e Pequenos monólogos para mulheres (Chiado Editora/Portugal), coletânea de textos teatrais curtos, lançado em 2014. Ou mesmo, para quem quiser ir mais fundo no estudo da arte teatral, sua tese de doutorado explora o panorama temático da dramaturgia contemporânea brasileira nas últimas duas décadas.


O amor desempre.com (porque a vida é blasé)

O amor desempre.com (porque a vida é blasé), de Daiane Dordete Steckert Jacobs traz um poema de amor e saudade, do convívio diário, do encantamento com o momento presente. É atriz, dramaturga, poeta e professora do curso de Artes Cênicas, na área de voz/interpretação, na UDESC. Daiane Dordete é também contadora de histórias e pesquisadora da voz, atuação, performance e teatro performativo, tendo publicado o livro “Estudos sobre performance e dramaturgia do ator contemporâneo”. Entre os artigos acadêmicos que escreveu, citamos aqui o texto Corpo Vocal, Gênero e Performance, no qual a pesquisadora contextualiza o território da Crítica Feminista e das Teorias de Gênero, apoiando-se principalmente no pensamento da filósofa feminista Judith Butler e as construções culturais naturalizadas em um sistema androcêntrico e heteronormativo. Trata-se de uma leitura esclarecedora e enriquecedora para quem pretende ampliar sua compreensão crítica do treinamento e da criação vocal nas artes. 

Acompanhe nossas leituras no "Página Sonora". A cada quinze dias, novas leituras e a promessa de novas emoções despertadas pela diversificada literatura feita em Santa Catarina.

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Como surgiu "Página Sonora"

A iniciativa "Página Sonora" vem sendo construída desde novembro de 2019, quando os assistentes de biblioteca e alguns técnicos de cultura do Sesc Santa Catarina realizaram um encontro com o objetivo de debater e reinventar caminhos para a efetiva formação de leitores críticos e contumazes, com conhecimento e reconhecimento do que é a experiência da leitura. E para que essa transformação de fato aconteça, há longos caminhos a serem percorridos, começando por capacitar a equipe de assistentes de biblioteca para mediação do livro, da leitura e da literatura.

Surgiu então a necessidade de buscar compreender a maior carência e urgência dentro de um universo tão vasto. E dentre as inúmeras sugestões, possibilidades, alusões e argumentações, uma tarefa ficou clara e unânime: ler, reler, conhecer, discutir e então, dar acesso aos leitores ou ainda não leitores, à escrita produzida em Santa Catarina. Os projetos e eventos planejados para 2020 com essa finalidade e tantas outras demandas, desde revigorar a literatura voltada para o público infantil até tornar a biblioteca um espaço cada vez mais de acolhimento, fruição, informação e diversão, foram adiados com a pandemia. Mas aos poucos, com o afeto e a persistência necessários a quem trabalha com cultura em nosso país, os meios foram sendo criados e uma parte das muitas tarefas daquele encontro se concretiza no "Página Sonora".

Texto de Luciana Tiscoski, técnica de Cultura do Sesc Estreito (Florianópolis) e Palhoça, e colaboração de Marilaine Hahn, analista de Cultura do Departamento Regional do Sesc Santa Catarina.

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