Podcast "Página Sonora" apresenta trechos de conto, romance e poesia em sua 6ª temporada


11/02/2021 - Atualizado em 18/02/2021 - 854 visualizações

O "Página Sonora", podcast da literatura feita em Santa Catarina, através da Rede de Bibliotecas do Sesc-SC, é um projeto dedicado inteiramente a autores que aqui tecem ou teceram suas histórias, seus relatos, pensamentos, pesquisas, diálogos e trocas, nos mais variados gêneros, estilos e linguagens.

Flávio José Cardozo, Marina Cardoso, André Timm, Elisa Tonon e Catarina Lins são os autores em destaque nesta semana. Já são mais de 30 nomes do percurso literário catarinense contemplados no acervo.

"Se queres ser universal, começa por pintar tua própria aldeia".
Lev Tolstoi (1828-1910)

A conhecida e muitas vezes citada frase é de Lev Tolstoi , um dos gigantes da literatura russa do séc. XIX, uma gama de contistas, dramaturgos e romancistas cujos escritos repercutiram em diversos movimentos e criações literárias no ocidente.

Flávio José Cardozo

Flávio José Cardozo, contemplado com a leitura de um trecho do conto Longínquas baleias e outros contos, canta sua aldeia de maneira tão sutil e elegante - na descrição psicológica sem excessos dos personagens, no rigor suave e sem esforço da língua, numa maestria com a linguagem na contação dos causos - que nada se distancia na qualidade sofisticada de sua escrita de um Gogol ou de um Dostoievski. Nascido em Lauro Müller, região carbonífera de Santa Catarina, Flávio escreve de maneira universal e singular a partir desta terra, da Ilha do Xavier e da Ilha do Arvoredo, de Ingleses, Naufragados, Enseada de Brito, Tijuquinhas, Ganchos, do folclore praieiro, das forças da tradição local e do progresso implacável e da condição humana.

É aludindo aos textos russos e também a uma forte e significativa geração de contistas brasileiros, que o também contista Paulino Jr. se refere ao autor de livros que deveriam constar na lista de todo apreciador do gênero conto e da boa literatura. “Minhas influências literárias, consideradas em conjunto, se compõem pela literatura russa do séc. XIX e os contistas brasileiros das décadas de 1960 e 1970. Em pouco tempo vivendo na Ilha de Santa Catarina, tive o privilégio de estreitar a amizade com o autor de Singradura (1970) e Zélica e outros (1978), entre demais obras de admirável envergadura. Isso é tão significativo pra mim, que penso que estou sempre em vantagem em relação a ele; pois o Flávio não conheceu Anton Tchekhov, mas eu conheci Flávio José Cardozo”, declara Paulino.

Marina Coelho

Numa outra linguagem, percorrendo cenas internas e urbanas, Marina Coelho presenteia-nos com suas Cenas, que mais parecem filmes em curta-metragem, com sua trama de cortes e imagens densas, como no conto - quase um poema - Escada, lido pela técnica de atividade de Cultura e Desenvolvimento Polyanna Orlonski Fuck, do Sesc Canoinhas.

Marina conta que em março fará dois anos da publicação de Cenas, sua estreia na literatura. “Penso que foi um livro súbito em vários sentidos. Resultado do espanto de, após alguns anos de tentativa e erro, ter encontrado, subitamente, um tom de voz apto à escrita - o monocórdio, talvez? -, como o pintor iniciante encontra seus traços e figuras preferidas. Foi também subitamente concebido e subitamente enviado para publicação, de modo que a minha preocupação com ele era como pensá-lo e como entendê-lo depois que o efeito súbito passasse e o espanto perdesse o efeito inicial” revela a autora. Ainda que embalado pelo súbito, arriscando-se subitamente na publicação, passados dois anos, para ela o livro é fonte de satisfação e contentamento.

“A experiência de ter publicado um livro surte efeitos interessantes ao longo do tempo; o que foi escrito torna-se cristalizado, como as partículas de açúcar endurecido, possibilitando tanto uma visão caleidoscópica através dos grãos, ou dos contos, como, com o passo do tempo que possibilita o movimento das perspectivas, a visão em paralaxe”, completa Marina. E como afinal se trata de uma filósofa, atualmente cursando doutorado em filosofia pela UFSC, ela reflete sobre esse passar do tempo na escrita, ou sobre o passar do tempo no seu olhar sobre o que escreveu. E nos esclarece: “O fato é que percebi que os diversos ângulos e arestas pontiagudas se encaixam formando em uma unidade essas cenas ambíguas entre sonho e vigília, entre mutismo e ecolalia, hesitação e violência. Cenas para mim é ainda a experiência que tentou capturar o bicho entocado dentro do sonho com uma câmera em preto e branco, emitindo sinais monocórdios traduzidos em visões hipnopômpicas entre o sono e a vigília, tentando romper o silêncio de uma hora vazia.” Como diria a inigualável escritora Hilda Hilst, “Informe-se” se não compreender algumas das muitas palavras usadas por nossa escritora filósofa. O "Página Sonora" faz sua parte reverberando uma das cenas e atendendo ao desejo de Marina: “E se romper o silêncio foi e continua sendo a maior dificuldade, que Cenas seja lido a partir de outra voz e outro tom. Será uma experiência das mais gratificantes, será como fazê-lo falar outra vez.”

André Timm

André Timm traz à tona o tema urgente e necessário da convivência com a imigração, além de outras questões que nos tocam especialmente nesse momento de aprendizado compulsório do exercício da empatia. E para o autor, como para grande parte das pessoas que trabalham com culturas e arte, esses são assuntos incontornáveis. “Tratando-se de literatura, me parece que quanto mais sombrios os tempos, mais latente é seu papel tanto a respeito de seu caráter que pode ser contestatório, quanto de ferramenta de desenvolvimento de empatia, porque em tempos sombrios, é justamente isso que nos falta e o que mais precisamos”, pondera.

Os trechos lidos neste episódio do "Página Sonora" são retirados do romance Morte sul peste oeste, que conta a história do personagem haitiano Dominique, que veio tentar a vida em Chapecó após a devastação de seu país no terremoto de 2010, e de Brigite, uma transexual de 13 anos que sofre o preconceito e a rejeição em seus ambientes sociais basilares, a família e a escola. O escritor insiste no assunto da empatia como tema central para a literatura do presente: “Parece-me que essa ausência, essa incapacidade, e a consequente desumanização, em grande parte se deve ao embrutecimento e a falta da empatia. Daí vem a intolerância, tão assustadora nos dias de hoje, que se manifesta em campos vários como a intolerância religiosa, a xenofobia, a transfobia e tantas outras. Quanto mais autocêntricos somos, menos receptivos nos tornamos a tudo aquilo que não for igual a nós. E a literatura, cuja base é a alteridade, tem em sua essência o próprio exercício de nos colocarmos no lugar do outro, algo que jamais deveríamos deixar de praticar”, alerta por fim o autor.

Elisa Tonon

E resistir ou exercitar a empatia com a literatura é também abrir espaços para a poesia, para comunicar algo de uma natureza menos perversa e dura, uma partilha do sensível. É o que nos provoca Elisa Tonon com seu poema lido neste episódio Uma versão possível, do livro Abrasabarca, coletânea de poemas do coletivo de poetas mulheres de mesmo nome.

Para dar continuidade ao que aludiu André Timm, Elisa expõe seu pensamento sobre a criação poética e a literatura, sobre como olhar e afetar o outro e, sobretudo, como resistir com a escrita. “Busco na poesia reativar minha potência de criar, para dar nome ao que me atravessa, às coisas vividas, sentidas, pensadas, mas também para cultivar um estado de abertura ao mundo. É um jogo de descobertas infinitas porque as palavras dizem sempre mais do que a gente acha que diz ou do que consegue ler... e se encontrar no olhar e na voz de outras pessoas é uma forma de se estranhar e de se transformar. Existe uma mística da escrita como algo próprio da solidão silenciosa (talvez aquela velha ideia parnasiana da poeta na torre de marfim) mas a poesia, a literatura, a arte nos fala sempre de contato e de convívio. A literatura pra mim é essa possibilidade incessante de criar e compartilhar a vida, ainda mais fundamental nesses dias de tanto luto e genocídio no nosso país. Seguir lendo e escrevendo é uma resistência.”

Catarina Lins

Seguimos com poesia e com Catarina Lins. Um trecho da poeta da Ilha de Santa Catarina de seus poemas de O teatro do mundo está presente nessa série do "Página Sonora" na voz da instrutora do curso de inglês do Sesc do Estreito, Ângela Bathke. O trecho selecionado para leitura é retirado da Sétima parte do teatro do mundo. A autora nos conta um pouco do surgimento do livro O teatro do mundo, que foi finalista do Prêmio Jabuti em 2018 e traduzido e publicado na Argentina em 2019. “Meus livros anteriores tinham sido sempre uma seleção de poemas que escrevi e que, depois de algum tempo, foram reunidos em livros. Porém, O teatro do mundo começou com um poema que levei para a oficina do Carlito Azevedo, que frequentei por muito tempo, e quando escrevi e depois li para as pessoas da aula senti que não tinha acabado. Na verdade, foi até uma ideia do Carlito que falou algo como: "ah, continua escrevendo esse poema, ele não pode acabar aí!". E assim foi, a cada dia eu levava mais uma parte desse poema e lia para a turma. Por isso, o livro está separado nessas partes, que seguem a ordem em que foram escritas e lidas na oficina”.

Uma das partes do teatro do mundo pode ser conferida nesta série já disponível em podcast. Catarina Lins ainda irá surgir, com certeza, em outros episódios do "Página Sonora", porque depois de O teatro do mundo, ela escreveu Na capital sul-americana do porco light, publicado pela 7Letras, e está em plena preparação de Um bom ano para o milho. Em primeira mão, sabemos que o livro já está quase pronto, e que a autora também reflete sobre o olhar dos leitores e sobre seu fazer artístico para além de um contrato comercial, um aprendizado que herdou da prática em editoras. “Ter trabalhado em editoras me fez pensar nos meus próprios livros não como algo que simplesmente escrevo e entrego para alguém editar e publicar, mas como um trabalho colaborativo que envolve conversa e olhares de outras pessoas, além do meu”, finaliza Catarina corroborando o tema da relação da escrita como exercício da empatia.

Acesse os links do podcast nas principais plataformas:

Nossa próxima série de cinco leituras do "Página Sonora", contará com os nomes de Giulia Ciprandi, Rafael Zen, Thalita Coelho, Takashi Severo e Péricles Prade. Não perca esses e outros episódios que já constam de nosso acervo e acompanhe os que virão! 

Como surgiu o "Página Sonora"


 A iniciativa "Página Sonora" vem sendo construída desde novembro de 2019, quando os assistentes de biblioteca e alguns técnicos de cultura do Sesc Santa Catarina realizaram um encontro com o objetivo de debater e reinventar caminhos para a efetiva formação de leitores críticos e contumazes, com conhecimento e reconhecimento do que é a experiência da leitura. E para que essa transformação de fato aconteça, há longos caminhos a serem percorridos, começando por capacitar a equipe de assistentes de biblioteca para mediação do livro, da leitura e da literatura.

Surgiu então a necessidade de buscar compreender a maior carência e urgência dentro de um universo tão vasto. E dentre as inúmeras sugestões, possibilidades, alusões e argumentações, uma tarefa ficou clara e unânime: ler, reler, conhecer, discutir e então, dar acesso aos leitores ou ainda não leitores, à escrita produzida em Santa Catarina. Os projetos e eventos planejados para 2020 com essa finalidade e tantas outras demandas, desde revigorar a literatura voltada para o público infantil até tornar a biblioteca um espaço cada vez mais de acolhimento, fruição, informação e diversão, foram adiados com a pandemia. Mas aos poucos, com o afeto e a persistência necessários a quem trabalha com cultura em nosso país, os meios foram sendo criados e uma parte das muitas tarefas daquele encontro se concretiza no "Página Sonora".

Texto de Luciana Tiscoski, técnica de Cultura do Sesc Estreito (Florianópolis) e Palhoça.




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